Apesar de pequeno em território, Portugal ocupa lugar de destaque no cenário mundial quando o assunto é vinho. Com uma média de consumo per capita de 61,7 litros por ano, o país supera até mesmo a tradicional França, que registra cerca de 45,8 litros por pessoa. Mas mais do que quantidade, o diferencial português está na íntima relação entre vinho e gastronomia — uma conexão natural e cultural, que se fortalece a cada geração.
Segundo o renomado chef José Avillez, referência em Lisboa com casas como Belcanto, Bairro do Avillez e Mini Bar, os vinhos portugueses já nascem com vocação para a mesa. Para ele, não se trata apenas de beber, mas de vivenciar o vinho como parte de uma experiência gastronômica completa. “Enquanto na cozinha aprendemos a criar pratos que conversem com a acidez, intensidade ou textura dos vinhos, os produtores, por sua vez, elaboram rótulos com identidade e caráter culinário”, afirma.
Essa visão é compartilhada por Alexandre Lalas, editor da revista Gula, que destaca o avanço conjunto da enologia e da culinária no país. Para ele, os vinhos clássicos mantêm sua relevância, mas uma nova geração de produtores tem impulsionado a inovação com qualidade impressionante. “Assim como os vinhos evoluem, a mesa portuguesa também se transforma, mantendo raízes, mas ganhando sofisticação”, comenta. Em 2023, o país produziu cerca de 7 milhões de hectolitros de vinho, reforçando sua relevância como player global no setor.
Um dos fatores que alavancam a popularidade dos vinhos portugueses no exterior é o custo-benefício. O enófilo Paulo Nicolay, da importadora Barrinhas, aponta que, diferentemente de muitos vinhos baratos de outras regiões, Portugal consegue entregar qualidade a preços acessíveis. “Eles têm uma combinação rara de diversidade de uvas, terroirs variados e tradição. O país é um verdadeiro laboratório para vinhos criativos e bem executados”, destaca. Segundo ele, os Estados Unidos já estão entre os maiores importadores de vinhos portugueses, e o Brasil, atualmente o terceiro maior comprador, pode em breve liderar esse ranking.
O prestígio da culinária portuguesa também ganha reconhecimento internacional. Atualmente, Portugal soma 190 restaurantes com estrelas, menções ou indicações no Guia Michelin 2025. O país conquistou autonomia na publicação da edição, que antes era compartilhada com a Espanha. Mesmo sem ainda ter um restaurante com três estrelas — a nota máxima do guia — Portugal contabiliza oito casas com duas estrelas, 30 com uma, 28 classificadas como Bib Gourmand (por sua boa relação entre preço e qualidade) e 116 estabelecimentos recomendados.
Arnaldo Azevedo, chef do Vila Foz, restaurante estrelado no Porto, observa um movimento de valorização da culinária tradicional portuguesa feita com técnicas contemporâneas. Para ele, a harmonização com vinhos é quase automática. “Começo pelo prato e depois encontro um vinho à altura. Sempre encontro, temos muitas boas opções”, comenta.
Já o chef André Cruz, do restaurante Feitoria, também premiado com uma estrela Michelin, ressalta que o casamento entre vinho e comida leva a experiência gastronômica a outro nível. “Os nossos rótulos são cada vez mais versáteis e os consumidores mais exigentes. Temos vinhos complexos, gastronômicos, e também leves, ideais para momentos descontraídos. Há sempre uma taça pronta para acompanhar cada prato — ou cada encontro.”
Portugal, assim, reafirma sua identidade como terra de sabores profundos e taças generosas. Mais do que beber vinho, o país celebra o prazer de harmonizá-lo com a vida à mesa — seja nas ruelas de Lisboa, nas margens do Douro ou à beira-mar em qualquer vila que transforme comida e vinho em expressão cultural.